Foto: Arquivo pessoal do Paulo Sakanaka* |
"- Força! Respira! Já tá chegando!"
Ana Garcez grita para um grupo de quatro policiais militares na pista de atletismo do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, em São Paulo. Ela está treinando o grupo para a corrida de São Silvestre. Será a primeira corrida destes policiais.
Ana Luiza Garcez é uma das figuras mais emblemáticas das corridas de rua no Brasil e tem uma estória peculiar. Conhecida pelo apelido de "Animal", foi abandonada pela mãe ao nascer, em um caixa de sapatos. Foi levada para a Febem e morou lá até os 18 anos. Depois que atingiu a maioridade, foi encaminhada pela instituição para trabalhar como doméstica em uma casa na zona norte de São Paulo. Trabalhou por 5 meses sem receber salário. No sexto mês, aproveitando que a patroa tinha ido viajar, encheu 3 malas com roupas, joias, sapatos, comida da patroa e fugiu. Foi parar no centro de São Paulo, distribuiu tudo que tinha nas malas com os moradores de rua e ficou por lá. Morou nas ruas por quase 20 anos.
Durante este tempo, usou drogas, roubou, sofreu tentativas de estupro, bebeu e quase morreu muitas vezes. Diz ter usado cocaína, maconha, heroína, além cheirar cola e praticar diversos furtos nas lojas da região central. Aliás, vivia correndo da polícia. Segundo ela, foi fugindo da polícia que aprendeu a correr. A história de sua vida podia ter terminado ali: com um tiro, numa overdose ou simplesmente, abandonada.
Certo dia, passando em frente a uma loja de departamento, assistiu a uma cena do filme "Carruagens de fogo". A partir daquele momento, sentiu que correr era uma coisa que ela gostaria de fazer. Comentou seu desejo a um grupo de amigos da rua e um deles, em tom de deboche, desafiou-a a correr a Maratona de São Paulo, que ocorreria em poucos dias. Ela topou o desafio. Assim, aos 36 anos, sem preparo ou equipamento adequado (usou roupas e tênis furtados), ela terminou a maratona, segundo ela, "sabe lá Deus como". E nunca mais parou.
Em 1998, ao fazer alguns exames para ver se estava com AIDS, os médicos descobriram que ela tinha uma capacidade alta de absorção de oxigênio. Com este diagnóstico de "corredora em potencial", correu algumas provas por conta própria e, após aparecer em um programa do Gugu, no SBT, sobre moradores de rua, revelou seu desejo de ser corredora. O então secretário de esportes de São Paulo, Fausto Camunha, que assistia ao programa, pediu que seus assessores a encontrassem para lhe oferecer ajuda. Convidou-a a morar no Centro Olímpico da prefeitura e ofereceu toda a estrutura para ela poder treinar adequadamente, com nutricionista, dentista, assistência social e fisioterapeuta. Daí, para os resultados começarem a aparecer, foi só um pulo.
"Animal" é recordista brasileira na categoria máster (a partir de 40 anos) nos 800, 1 500 e 5 000 metros. Foi campeã de sua categoria na São Silvestre de 2003 e vice-campeã geral da Meia Maratona de Buenos Aires (Argentina) em 2004, com tempo de 1h22. Também foi campeã geral na Meia Maratona de Santiago, no Chile, em 2006. Foi vice-campeã máster na Meia Maratona da Disney em 2007 e já correu provas na África do Sul, em várias cidades nos EUA e em outros lugares do mundo. Mesmo aos 55 anos, ela continua correndo em alto nível, ganhando várias corridas em sua categoria e chegando entre as primeiras colocadas no geral.
Recentemente, ela foi campeã duas vezes no Gay Games de Paris, o maior evento esportivo LGBT do mundo. Ganhou a medalha de ouro do Brasil nos 10K, com um tempo de 40min57 e também nos 5K, com um tempo de 20m16.
Ironicamente, a ex-moradora de rua, que fugia da polícia, hoje corre atrás deles, dando as ordens, na pista de atletismo:
"- Levanta estes braços! Corrige esta postura! Não desiste!"
A corrida deu um sentido à vida de Ana Garcez e corrigiu um rumo errante que, certamente, não terminaria bem. Hoje, ela ainda luta por um lugar digno para morar, pois está correndo o risco de ser despejada do quarto que mora há 18 anos, embaixo da arquibancada do ginásio do Ibirapuera, com o plano de privatização do complexo, prometido pelo governo paulista. De qualquer forma, a história de sua vida é inspiradora e mostra o quanto o esporte pode transformar positivamente a vida de uma pessoa.
Ana Luiza Garcez é uma das figuras mais emblemáticas das corridas de rua no Brasil e tem uma estória peculiar. Conhecida pelo apelido de "Animal", foi abandonada pela mãe ao nascer, em um caixa de sapatos. Foi levada para a Febem e morou lá até os 18 anos. Depois que atingiu a maioridade, foi encaminhada pela instituição para trabalhar como doméstica em uma casa na zona norte de São Paulo. Trabalhou por 5 meses sem receber salário. No sexto mês, aproveitando que a patroa tinha ido viajar, encheu 3 malas com roupas, joias, sapatos, comida da patroa e fugiu. Foi parar no centro de São Paulo, distribuiu tudo que tinha nas malas com os moradores de rua e ficou por lá. Morou nas ruas por quase 20 anos.
Durante este tempo, usou drogas, roubou, sofreu tentativas de estupro, bebeu e quase morreu muitas vezes. Diz ter usado cocaína, maconha, heroína, além cheirar cola e praticar diversos furtos nas lojas da região central. Aliás, vivia correndo da polícia. Segundo ela, foi fugindo da polícia que aprendeu a correr. A história de sua vida podia ter terminado ali: com um tiro, numa overdose ou simplesmente, abandonada.
Certo dia, passando em frente a uma loja de departamento, assistiu a uma cena do filme "Carruagens de fogo". A partir daquele momento, sentiu que correr era uma coisa que ela gostaria de fazer. Comentou seu desejo a um grupo de amigos da rua e um deles, em tom de deboche, desafiou-a a correr a Maratona de São Paulo, que ocorreria em poucos dias. Ela topou o desafio. Assim, aos 36 anos, sem preparo ou equipamento adequado (usou roupas e tênis furtados), ela terminou a maratona, segundo ela, "sabe lá Deus como". E nunca mais parou.
Em 1998, ao fazer alguns exames para ver se estava com AIDS, os médicos descobriram que ela tinha uma capacidade alta de absorção de oxigênio. Com este diagnóstico de "corredora em potencial", correu algumas provas por conta própria e, após aparecer em um programa do Gugu, no SBT, sobre moradores de rua, revelou seu desejo de ser corredora. O então secretário de esportes de São Paulo, Fausto Camunha, que assistia ao programa, pediu que seus assessores a encontrassem para lhe oferecer ajuda. Convidou-a a morar no Centro Olímpico da prefeitura e ofereceu toda a estrutura para ela poder treinar adequadamente, com nutricionista, dentista, assistência social e fisioterapeuta. Daí, para os resultados começarem a aparecer, foi só um pulo.
"Animal" é recordista brasileira na categoria máster (a partir de 40 anos) nos 800, 1 500 e 5 000 metros. Foi campeã de sua categoria na São Silvestre de 2003 e vice-campeã geral da Meia Maratona de Buenos Aires (Argentina) em 2004, com tempo de 1h22. Também foi campeã geral na Meia Maratona de Santiago, no Chile, em 2006. Foi vice-campeã máster na Meia Maratona da Disney em 2007 e já correu provas na África do Sul, em várias cidades nos EUA e em outros lugares do mundo. Mesmo aos 55 anos, ela continua correndo em alto nível, ganhando várias corridas em sua categoria e chegando entre as primeiras colocadas no geral.
Recentemente, ela foi campeã duas vezes no Gay Games de Paris, o maior evento esportivo LGBT do mundo. Ganhou a medalha de ouro do Brasil nos 10K, com um tempo de 40min57 e também nos 5K, com um tempo de 20m16.
Ironicamente, a ex-moradora de rua, que fugia da polícia, hoje corre atrás deles, dando as ordens, na pista de atletismo:
"- Levanta estes braços! Corrige esta postura! Não desiste!"
A corrida deu um sentido à vida de Ana Garcez e corrigiu um rumo errante que, certamente, não terminaria bem. Hoje, ela ainda luta por um lugar digno para morar, pois está correndo o risco de ser despejada do quarto que mora há 18 anos, embaixo da arquibancada do ginásio do Ibirapuera, com o plano de privatização do complexo, prometido pelo governo paulista. De qualquer forma, a história de sua vida é inspiradora e mostra o quanto o esporte pode transformar positivamente a vida de uma pessoa.
Por Paulo Sakanaka
*A foto foi tirada por Paulo Sakanaka no evento "Pão de Açúcar Kids", de 2018
Para se ver como o esporte pode mudar pessoas. Muito Bom texto e parabéns a animal. Que ela seja um exemplo para muitos.
ResponderExcluirConcordo plenamente Nilsão.
ExcluirExemplo de vida e superacao .
ResponderExcluirCompletamente, só é triste ver alguém com uma história tão incrível, motivadora e inspiradora, ainda passar por tanta dificuldade :/
ExcluirLindo texto. Inspirador, não tem como não se comover.
ResponderExcluirTive a oportunidade de conversar com a Animal em SP, é uma figura! Humildade e carisma em pessoa. Parabéns pela matéria, amigo.
Vlw Serjão, história realmente incrível. Sakanaka mandou super bem. 🙏
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